quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A estupefacção pode surgir por uma miríade de motivos. O que é estranho para um céptico, pessimista e agnóstico como eu, mas a verdade é que não cesso de me surpreender, o que em si é uma atitude tão profundamente parva como inevitável.
 
Tendo a pensar que muitas pessoas fazem uma série de confusões comigo, ou com aquilo que consideram ser a minha avaliação “correcta”. E essa avaliação bifurca-se. Há muito daquilo que supostamente me caracteriza que parece ofender as sensibilidades alheias e as suas ideias de correcção, por um lado, e há quem ache que as minhas costas são do tamanho da muralha da China e com a mesma consistência, pelo que nada do que sucede pode ter qualquer efeito, um pouco como um ricochete resiliente e perpétuo. Esta última percepção varia entre o cómico e o triste, porque em qualquer uma das perspectivas há uma avaliação errada, por um lado, e uma condescendência absoluta, por outro. Há uma ideia clara de que o que quer que seja feito não tem efeitos, que não provoca consequências. Há uma ideia de que o tipo é boa praça, como dizem os brasileiros, portanto por muito que lhe lixemos o canastro o gajo não vai levar a mal, não tomará atitudes extremas, não se zangará, não ganhará resistências. O que quer que aconteça não terá efeitos. É indiferente o peso e largura do calhau que lhe deitamos à cabeça. Ele simplesmente sacode o pó e levanta-se, porque afinal, sabemos que ele aguenta. Sabemos que ele não fará nada de drástico. Sabemos que é um pachola que nunca se chateia com ninguém, que não tem acessos de raiva, que não agride a um certo ponto mesmo quando deve, que afinal é um ser peculiar e estranho a quem nada do que acontece pode e deve provocar efeitos.
 
Os meus amigos mais próximos sabem desta história que vou contar a seguir.
 
Tive um treinador que me chagava a cabeça ao impensável, treino após treino, com razão e sem razão, de forma agressiva e constante. A mim nunca me chateou determinado tipo de jogo mental, desde que eu perceba que não é mal intencionado, mas aquela situação aborreceu-me sobremaneira. Todos os treinos a mesma coisa. Castanhada de criar bicho, a mim e outro par de artistas, ao passo que outros marialvas passeavam a classe da asneira sem que ninguém os chateasse muito, ou mesmo nada. Certo dia, com os cornos no ar, a reprimenda nº 756754675 caiu-me mal, e dei comigo a ter de fazer aquilo que nunca faço – respondi com a voz bem alta, com uma agressividade que não me é característica, numa simples questão – porque lhe teria eu saído na rifa constantemente. Vi o ar de surpresa na face dele, uma pessoa que de facto não me queria mal, mas que entendeu aquela minha reacção com uma outra reacção própria de surpresa. Certamente ele não esperaria aquilo. Mas disse-mo com a maios das canduras, até ingénua, e que em parte me irritou, mas que lançou outro tipo de reflexão mais complicada. Quando lhe perguntei porque raio não chateava ele também os outros, ele olhou-me com a maior das honestidades e disse-me:
 
“Porque sei que aguentas”.
 
Ora isto é apenas um exemplo inofensivo, de algo que tem a importância que tem, como um hobbie, mesmo que eu me dedique a ele como me dedico, mas não teria essa repercussão se eu não pudesse retirar do contexto e aplicar a uma generalidade de acontecimentos na minha vida. A verdade é que aquela pessoa, como muitas até mais próximas, e mesmo algumas muito próximas, tinham essa ideia cravada. A ideia do tipo que não se chateia. Do indivíduo com quem não se tem de ter muito cuidado porque a natureza dele é de relevar o que seja feito e triar tudo ao impensável, num ecletismo de sobrevivência que o torna uma espécie de pilar de calhau que até pode estar um bocado esmurrado, mas que ali fica, quedo e perene. A ideia do tipo que não precisa de nada, que se aguenta à pipoca, que até tem muita sorte e nem deve falar muito, do lábio persistente lábio superior duro, que resolve tudo sozinho, que quando a coisa aperta, normalmente chega-se à frente. E parte disto torna-se uma imagem muito triste a ser passada. Porque dá certamente uma ideia de fraqueza, ou pior, de insignificância que não granjeia o respeito de muito cuidado. É como ser feito de uma matéria incrivelmente elástica, que mesmo que deforme, é-lhe expectável que retorne ao contorno inicial. Cada um é o que é, e aquela matéria é o que é, e tem de ser assim, sob pena de essa condescendência passar a algo pior, como é a absoluta irrelevância.
 
Isto custa um bocado. Sinceramente envergonha. Porque o responsável é só um, a lógica é só uma, tudo é linear e unitário, na estrita medida daquilo que fui tentando sempre evitar como conclusão. As pessoas só farão aquilo que lhes permitirmos, e só o repetirão se a nossa dose de boa fé afectiva conseguir rearranjar aquilo que poderia parecer para além do concerto. Eu sou o culpado de tudo isso, de permitir que isso acontecesse, de passar a ideia às pessoas que isso seria de alguma forma justificável. Fui eu que permiti que algumas pessoas achassem normal um descaso absoluto quando anteriormente beneficiaram de ajuda, fui eu que permiti que após uma e outra agressão, fosse de alguma forma arranjando boa-fé para permitir mais algumas, fui eu que dei a noção de que determinados actos, insuportáveis para muitos, fossem apenas passíveis de dissecação nos seus fundamentos, perdendo assim a sua mordidela venenosamente dolorosa. Fui eu que tentei sempre justificar, fui eu que tentei sempre não retribuir da mesma moeda, fui eu que nunca guardei rancores, fui eu que fui aceitando silêncios com retortas de acolhimento estupido, fui eu que deixei, permiti, me caracterizei, habituei, e pior que tudo, esperei que a reacção em muitos casos não fosse expectável. Para um céptico, isso é ser incrivelmente estúpido e incongruente. Admite uma esperança vexatória numa expectativa racionalizada, ou num adiamento de algo, como se tivesse a certeza que a próxima atitude é que era.
 
Um amigo disse-me sempre que não se deve esperar nada dos outros, que não se deve medir nada pelo que achamos ser o mínimo exigível. Ainda não concordo com ele, mesmo que veja, perante a realidade dos factos, que ele tem razão. Não é o primeiro conceito no qual insisto teimosamente, mesmo sabendo-o minoritário ou quase extinto. Mas o afloramento deste é da minha responsabilidade, e a vergonha que sinto chateia-me de cacete. Chateia-me ter dado as ferramentas para que isso acontecesse. Que tenha permitido que me qualificassem assim, e ainda por cima, com a noção de que essa era a forma certa de agir para com os outros. Pior que dar a outra face é passar a imagem de um pateta com toda uma cara para levar estalos. Mas há alguma lógica. Entre dois, o animal que não ruge normalmente é o prato do dia. (sorriso)
 
Tenho vergonha de o ter permitido toda uma vida. E ser essa a explicação para uma série de coisas. Como a anatomia de uma auto-estima destruída ser uma coisa algo suicidária. Pelo menos na autoria. Se dizem que as pessoas não mudam, e se eu for realmente isto que aqui se conclui, estou bem lixado… (sorriso ?)



sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dizem que o senso de valor é auto-atribuído. Um pouco como uma prova qualquer em que somos concorrentes e decisores. A mim parece-me desde logo um erro de premissa. Se assim fosse, o contrário não seria possível, ou seja, o facto de existirem pessoas que se acham menos boas e são qualificadas ao contrário por quem observa ou com elas interage, não seria logicamente possível. 
A ideia, como talvez tantas outras coisas, assenta num estágio intermédio, de coordenação de esforços internos e exógenos, até que algo pareça suficientemente partilhado para formar uma convicção, um elemento verificável através de uma consistência estatística, à falta de melhor termo. 
Achar que o valor pode partir única e exclusivamente da percepção como tal do próprio, parece-me tão falacioso como o absoluto contrário. Há definitivamente quem tenha o condão de nos poder corroborar uma positividade, ou fazer florescer toda a negatividade até um extremo dificilmente debelável.  A dor ou mal estar ínsitos nessa percepção são terrivelmente eficazes na sua acção, porque isolam numa acção avassaladora, a contrariedade de todos os desejos tidos para exteriorizar algo de bom. Um pouco como se quem mais devesse aplaudir se limitasse a um bufar de enfado, e em casos não raros, uma vaia. 
Achamos que, por estarmos talvez em contacto com a nossa coerência interna, devemos exultar o auto-valor como uma lógica absoluta, ou seja, quem denegrir incorre numa espécie fácil de diagnóstico de ignorância porque ao não estar dentro de nós não sabe realmente quem ou o que somos. Mas até que ponto poderemos definir-nos senão em contraste com semelhantes, senão como algo característico num universo de semelhantes, mas não iguais?
Não interessa o que (os, alguns?) outros pensam? Como não interessa?
Talvez não logre os (bons) objectivos sozinhos, mas acabará por ser instrumental no que queremos ser, onde queremos chegar, pelo que alguns serão capazes de (nos) reconhecer. E alguns poderão mesmo dar cabo de tudo. Mesmo que não dêem por isso, ou achem que se trata precisamente do inverso.
Mesmo para um auto-detractor de longa data, isto parece-me insofismável...


quarta-feira, 18 de julho de 2012

É de facto um mundo estranho ou muita coisa mal feita quando o piores momentos são ventilados a olhos desconhecidos ou inexistentes, só pela pura necessidade de deixar algo sair. Pode ser o mundo que criámos, mas temo pelo que nos fará ou já terá feito...

sexta-feira, 6 de julho de 2012

"Don't feel guilty if you don't know what you want to do with your life. The most interesting people I know didn't know at 22 what they wanted to do with their lives. Some of the most interesting 40-year-olds I know still don't.

 (...)

 Maybe you'll marry, maybe you won't. Maybe you'll have children, maybe you won't. Maybe you'll divorce at 40, maybe you'll dance the funky chicken on your 75th wedding anniversary. Whatever you do, don't congratulate yourself too much, or berate yourself either. Your choices are half chance. So are everybody else's."

Mary Schmich



A 1 de Junho de 1997, esta mulher produziu este fantástico texto, o qual foi durante algum tempo erroneamente atribuído a Kurt Vonnegut, e se tornou uma peça de culto, sendo reaproveitada por Bazz Lhurman em 1999.

Schmich dizia que era o texto que escreveria se lhe pedissem para o fazer aquando da sua formatura universitária. Adaptando à nossa realidade, algo que um finalista leria, vestido de preto e com uma pasta cheia de fitas com cores.

A verdade é que é isso mesmo. As nossas hipóteses são 50/50, a sorte pode ditar que a oportunidade de uma vida se gore, ou não, como a aliança de “Match Point” que cabriola e acaba por salvar o que talvez não devesse ser salvo. Conhecemos muitas pessoas ao longo da vida, e teremos sorte, julgo eu, se nem nos lembrarmos de algum rancor guardado. É muito complicado, mas também julgo possível que talvez seja possível serenar com a ideia de que a mais profunda incompreensão relativamente ao funcionamento das coisas seja aquilo que as possa explicar. E é ainda mais difícil não descarregar algo negativo sobre as explicações que encontramos facilmente para o que supostamente não funciona. Eu não consigo. Mas não quer dizer que não ache que não o devamos fazer. Não quer dizer que não o tente. Vale o que vale, mas não tenho uma desculpa melhor.

Não é que consiga perspectivar tudo. Diabo, cada vez é menor o leque de coisas que consigo relativizar. E no entanto, mesmo no meio do caos daquilo que não funciona, surge precisamente a oportunidade perfeita para testar aquilo que deve permanecer. É como levar a minha (nossa?) teimosia ao Pepsi Challenge. É tentar saber o que estou a fazer, mesmo sabendo que raramente, se é que alguma vez, o conseguirei fazer. É o gosto do fazer, mesmo que saiba que a lógica é sempre, mas sempre, o conseguir.

O que posso esperar é que aquilo em que assentei arraiais possa de alguma forma florir. Que ainda acredite que algo em mim possa passar por indispensável a alguém, ainda que nunca nada jamais o seja. Que ao envelhecer, os meus arrependimentos me deem vontade de rir porque são apenas a forma mais simples de perceber que fiz asneira e que pouco ou nada há a fazer. E que não importa por isso mesmo. Era giro é que não achasse que não serei capaz de o fazer jamais, porque não tenho a capacidade de evoluir para além de muitos deles.  

Há efectivamente coisas que ficam connosco. E montamos a nossa tenda de campanha em torno do que realmente levamos quando alguém nos anuncia um cenário de catástrofe. Tudo o que deixamos no fogo, é tudo aquilo que ainda não conseguimos colar à pele, ainda que doa como se o tivéssemos arrancado com força da mesma. É a ideia que tenho, e mais uma vez, vale o que vale. O que fica, segue. Permanece.

O Neil Gaiman falava em segredos e mistérios. Dos segundos lembramo-nos facilmente. São alcovitices da memória, copos de água silenciosos quando o que se apresenta é árido como qualquer solidão. Dos primeiros, nunca nos livramos. Mesmo quando achamos que não nos recordamos deles.

Por isso, prosseguir com cuidado é uma espécie de contradição em termos. É tudo aleatório, ainda que eu aja como se não acreditasse nisso. E é por isso que é perigoso. Pela estranha paz feita de inapelável que traz. Pela ilusão de que compreendemos melhor do que efectivamente fazemos, pelo simples facto de que tudo o que não pensa mas vive experiencia uma renovação necessária. As flores de Maio voltam, as viagens acabam, os pássaros, peixes, lémures e outros voltam, nem que seja para morrer. O mundo renova-se, ainda que isso não signifique que se rearranja.

As nossas hipóteses são 50/50. Estende-se a mão e pede-se, talvez até porque não pertence aquele a quem se pede. Alguns rezam. Eu não tenho essa sorte. Olho, ouço, e pergunto, pergunto, pergunto.

E quase aos 40, é um facto que ainda não sei.

Não só o que quero fazer, mas sim, aceitar um desconhecimento de praticamente tudo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Há uma coisa que nunca devemos subestimar.

Nunca julguemos que a dor é como a imaginámos.

É sempre surpreendentemente mais requintada e intensa.


O mais confuso acerca de algumas pessoas é o facto de navegarem sempre mais empoladas naquilo que supostamente lhes contraria o instinto comunicado ao exterior, identificativo ou "pensado". O que dizem à malta que são, sem sombra de dúvida... É como se achassem que a história que contam lhes desse a possibilidade de alegarem o caos onde gostam de se meter como a excepção para a sua dita "normalidade". O grande problema, é que muitas dessas pessoas fazem-no pela sede do conflito, ou pela eterna cenoura que foge, e nunca pelo simples facto de terem de ser verdadeiras consigo antes de o poderem ser com qualquer pessoa, convenção ou ideia. É como se metessem água por razões ainda piores do que aquelas que normalmente justificam o alagar do cenário, ao invés de aceitarem que o motivo perante si próprios é o que provavelmente permite que a monção se repita poucas vezes...