Há instantes na vida que definem uma série de
coisas. São despertadores. São, pela sua simples qualidade factual,
demonstrativas de uma realidade que entra pelos olhos e entendimento, e não
deixa margem para interpretações mais criativas. São instantes contundentes
porque estão lá. São as sintomatologias da herança pessoal, da marca nos
outros, da importância que algo em nós assume enquanto factor inultrapassável.
Aquilo que somos, ou não, capazes de representar seja para quem for.
Em meu ver existem duas formas de representar
este fenómeno. Ou se quiser ser mais exacto, existem dois destinatários para as
relações causa-efeito subjacentes à realidade que surge em certos momentos.
Essa realidade é tão imensa que permite apenas juízos mais absolutos. Pelo
menos internamente, o que leva às tais duas opções de análise do fenómeno, mas
já lá vamos. Antes a ideia é bem clara. Estou, ou estive lá, e percebi. Acho
que todos percebemos numa altura assim, um certo preço de sermos quem somos, e o
que vale todas as tentativas de fazer o melhor que podemos com esse lastro em
cima. é possível ver tudo com uma luz analítica, mais ou menos explicativa,
tudo pleno, como uma fonte que jorra entendimento e sentido como água
cristalina. Sei dos porquês, e sei que até fazem sentido. Sei da pretensa
justiça ou falta dela, oriunda das conclusões que um senso de valor arrasado
pode ou não tirar. E é precisamente aí que entram as duas opções, as duas
representações conclusivas possíveis, os dois olhares face aos factos, as duas
interpretações face ao que resulta daquilo que somos, muitas vezes
independentemente daquilo que fazemos. E custa o diabo. É, não raras vezes, uma
grande merda. É abrangente, é simples, e é terrivelmente solitária. Quando
apagamos a luz, é só o que lá está. Num movimento circular pleno de repetições
das ideias, das imagens, das repercussões daquilo que afinal é a materialidade
daquilo de onde vim, de onde vimos todos, e aquilo no qual isso se demonstra.
Ou não, no caso.
O que leva à segunda interpretação. Perante a
contundência recorrente de uma série de fenómenos, uma panóplia de conclusões,
há quem acredite em coincidências, e há quem prefira analisar a estrutura
essencial do foco dos tais fenómenos. Eu prefiro remoer à exaustão aquilo que
parece mais provável, ainda que não seja exactamente o mais meigo ou mais
recomendável para a estrutura pessoal. Eu prefiro encontrar o elemento de
constância, o denominador comum, e começar a fazer perguntas. Muitas perguntas.
Bem sei que nessa panóplia de questões, muitas não serão boas. Sei que o ideal
em muitas situações, é talvez desligar a máquina, não pensar, não tentar coçar
a pele até que ela sangre, só para saber afinal que era pele. Sei uma carrada
dessas coisas. Mas também sei que os fenómenos muito raramente escapam a
qualquer âmbito analítico, por mais complicado ou esticado que seja. Porque
esses fenómenos acontecem. Acontecem-nos. E por muito que gostasse de achar
que, lá está, a virtude está algures entre a coincidência e a lógica caótica
(sim, o oxímoro é propositado) do que é a vida de cada um, a constância de
alguns fenómenos, a sua importância nos instantes em que surgem, impedem (me)
de tais veleidades. Quando estamos demasiadas vezes em cenários onde coisas
boas ou más acontecem, a coincidência começa a ser descartável, como um papel
escrito a sumo de limão cujo calor começa a revelar o que realmente lá está. E
a verdade é que olhando para uma série de situações que ao longo dos anos
teimaram em suceder, em instantes perfeitamente colocados em pressupostos que
potenciaram os seus impactos para a estratosfera pessoal onde a maluqueira, os
medos e as dores todas pairam, algumas conclusões são impossíveis de não
retirar. Não são lá muito fáceis, e estruturam-se essencialmente em perguntas,
mas estão lá. Como certos instantes, e as realidades que demonstraram, por mais
explicativas que possam ser as suas causas ou formatos.
Este não é um processo fácil. A chuva de
castanhada interna é complicadíssima, e as reflexões são intermináveis.
Enfileira-se tudo como uma espécie de enunciado imenso, complicado, mas
claramente traçável. Nuns pontos os cálculos fazem-se, noutros ficam apenas as
premissas. Mas estão lá os factos. Estão lá as coisas que não aconteceram, as
coisas que não se logrou, o que não se conseguiu transmitir, explicar ou
mostrar.
Há uma certa paradoxalidade, uma espécie de paz
com dentes, quando se vira toda esta análise para um foco interno. Por um lado
é bom não identificar, pelo menos na esmagadora maioria, responsabilidades
alheias, porque se assim fosse, se tivesse caravana para passar incólume ao
ladrar dos piruças, o que se faz a seguir? As acções para algo tão instintivo
como passar ao lado da relevância do tanto que acontece são um pouco como
tentar apanhar água de um regato com um guardanapo. A intenção está lá, e os
movimentos até podem ser certos, mas perante tanto antagonismo de substância,
os resultados falam por si.
Não mesmo.
Sinceramente, acho que perante tantas repetições,
tantas oscilações de realidade quase sempre para o mesmo lado, há que analisar
o elemento comum. Despi-lo, aplicar-lhe tantas agulhas quantas sejam
necessárias, e ver que tipo de animal ali está. Ir ao básico, através dos
efeitos dos fenómenos que (não) se causa, dos feitos que não se logra, comparar
com o que pretensamente se faz, e concluir pelo que (não) se é (capaz). De ser,
e não de fazer, atenção.
É uma coisa terrível virar uma luz negra
internamente, mas a verdade é que ela é capaz de salientar cada grãozinho de pó
impuro invisível à luz tradicional. Já muitos teremos visto isso numa
discoteca. Mostra os contornos daquilo que nos povoa até invisivelmente, e
permite saber o porquê de certas realidades, e talvez dar uma de duas
oportunidades. Aliás, três.
- Conseguir passar algo de encanto através de
alguma coisa, assim como está, ao longo dos tempos, das pessoas, das
realidades, das personificações e acções.
- Aceitar a constância daquilo que pode
interessar mas não faz a crucial diferença, porque como se sabe, o diabo está
nos pormenores...
- Cauterizar para deixar crescer uma outra pele
mais lisa, livre das imperfeições que se pode perder, sem que a pele seja
destruída com a limpeza.
Quando o raio cai demasiadas vezes na mesma circunstância,
provavelmente alguém se abrigou debaixo de uma árvore ou abriu um guarda-chuva sem
lona. E fê-lo várias vezes. Ou só sabe fazer isso. Ou tem perguntas complicadas
a fazer. Perante o discorrer de uma história, esse é o meu primeiro reflexo. As
penas oriundas das coisas que não acontecem ou acontecem de forma dolorosa ou
negativa é um pouco como deparar com a estimativa do gasto de electricidade. O
primeiro instinto é pensar se deixamos a televisão acesa demasiadas vezes, o
computador a fazer downloads toda a
noite, o frigorífico demasiado intenso quando só há um pacote de leite fora de
prazo lá dentro, o aquecedor ligado para criar um ambiente em casa que não
pareça algo saído da Marcha dos Pinguins quando chega Dezembro.
E talvez não esteja muito enganado se o culpado
estiver mesmo ali ao espelho... quase sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário