Este texto andou a circular pela net hoje, e além de ser bonito pela óbvia e honesta emoção dele destila, lança(me) questões muito pertinentes acerca de vários temas.
O primeiro assenta na premissa base de que o medo, a simplicidade terrível das coisas importantes, decisivas, vitais, desmonta a pretensa elegância distante com que por vezes as pessoas se dirigem às coisas. Quando se trata de algo como a eminência de uma perda maior, a filtragem desaparece imediatamente, e as palavras ganham uma espécie de agilidade torrencial, porque é assim que “sai”, como tudo o resto. Quando o medo é gigantesco, a carapaça desencantada com que se destilam assuntos tão tremendos como a morte derrete-se mais depressa que a cera das asas do filho de Dédalo.
No fundo isto também nos deve alertar um pouco. Bem sei que perante estes desmandos injustos e terríveis da natureza, o músculo da relativização sofre umas cãibras valentes. Tudo é afinal único, urgente, o mundo pode de facto acabar e as consequências são bem reais, ao contrário de uma espécie de defesa distante que permite quase encaixar tudo o que acontece, nem que seja numa tomada de consciência do caos em que se pode ficar.
Este texto é tão mais bonito porque nada nele existe senão a vontade de contar coisas que dificilmente, ou jamais, arrisco, poderíamos traduzir de forma adequada quando nos acontece. Porque qualquer arrumação semântica desse conceito assemelha-se a tentar vestir roupas de infante num lutador de sumo. Tudo é ultrapassado, até mesmo o relator. Há uma humanização, que até vi no António Lobo Antunes, quando esteve doente, o qual, não obstante ser um escritor genial, tem uma caganeirice que por vezes agasta um pedaço. Mas com os desmandos da natureza, há não uma descaracterização, mas talvez um ligeiro incremento da generosidade empática, já que na fragilidade de encontra o carácter universal das únicas coisas que talvez nos unam realmente uns aos outros.
O que me leva ao segundo ponto.
Serão estes instantes necessários para a percepção dos laços, ou da robustez dos mesmos? Será que essas percepção não deve ser um trabalho de continuidade, uma espécie de construção. É curioso como grassa a ideia das pessoas que “têm a sua vida”, porque encontraram alguém, porque se entregaram ao seu trabalho, porque descobriram que há magia no colecionismo de caixas antigas de Maizena, e que por isso, há um prolongadíssimo desconto de tempo perante os outros, do qual voltarão se o jogo tiver de voltar a mexer. Curioso e perigoso, como a realidade o tem recentemente demonstrado, em quintais perto dos meus. Há um perigo no pensamento de grupo, se ele for acrítico. Mas se existir a sorte deste ser simultaneamente cúmplice, real e empático, a verdade é que o mesmo em nada obstará à vida “que se tem”.
De um momento para o outro, pode sobrevir a morte, a perda, a dissolução, e a verdade é que embora a amizade não seja um sentimento tão neutro ou pacifico como querem fazer passar, é ainda aquele que permite, ou deveria permitir, uma elasticidade generosa. Mas a elasticidade significa precisamente que a matéria só se esticará até certa altura, finda a qual, sob pena de destruição, terá de voltar ao ponto de origem, num impulso natural e derivado da sua natureza. Como um cordão elástico, as afectividades ditas fraternais aguardar-nos-ão como um cronista paciente à espera de notícias, mas a certa altura poderão dar-nos como mortos. E aí não há protagonista, nem história.
Aos que importam, algumas coisas devem ser ditas. Não se trata de cobrança, mas de esclarecimento. De designação de papéis, de espremer o fruto para saber se é sumo ou cera o que sairá. Não se deve esperar para ver o que acontece quando o cenário é árido e os visitantes raros, a não ser aqueles que sabem, ou gostaríamos que soubesses, como se lá chega.
Hoje estamos bem, e amanhã todo o mundo pode ter levado um piparote. E se somos mais ricos na diversificação complementar, há que perceber que isso só se efectiva materialmente. Só há reacção por força da acção. O pressuposto é o fogo que parece poder arrefecer, mas que num cenário de inferno, só aumenta o incêndio.
Escrevamos uma carta, mandemos um sms, tenhamos uma conversa com mais unhas e dentes, peçam mais esclarecimentos. Mas garantamos e cuidemos também dos nossos que não são as famílias ou Amores. Podem ser poucos, mas que sejam alguns. Porque a certa altura, poderão ser a única mão que se lança, e noutras, são aquilo que nos ajuda a viver ainda melhor o que felizmente possamos ter. E isso faz-se da acção onde a maioria está inerte, e a entrada de peito feito onde a maioria nem sabe que existe uma porta.
Não esperem que aconteça isto que o texto relata, aplicando-o às mais variadas formas de perda. Hoje são uns, amanhã outros. Uns poderão ter sorte, outros não. E se nada disto é controlável, pelo menos o rescaldo ou a vivência poderão ser tão melhores ou piores em função dos que tanto quiseram e souberam ficar, como souberam levar-nos até lá, seja lá onde isso for.
E claro, a melhor das sortes para o MEC e a sua Maria João.
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